Filosofia da religião – A ética da crença, de William Clifford «»
O filósofo e matemático inglês William K. Clifford (1845-1879) defende que é imoral acreditar naquilo para o qual não temos provas ou argumentos. É imoral porque é irracional.
Acreditar em algo sem provas suficientes a seu favor conduz a dois erros: ser irracional por acreditar em algo sem provas; ser imoral.
Acreditar em algo sem provas é imoral por duas razões: mais cedo ou mais tarde, a falta de sentido crítico irá provocar catástrofes e sofrimento; mas, além disso, o perigo mais terrível é o de que a sociedade se torne crédula, e que perca o hábito de testar as coisas e de inquirir a seu respeito; caso em que se afundará mais uma vez na selvajaria.
De modo que, de acordo com a ética da crença de Clifford:
Só é eticamente legítimo acreditar em algo se tivermos provas suficientes a seu favor.
Não há fórmulas para saber se as provas de que dispomos a favor de algo são ou não suficientes: antes de acreditar em algo devemos investigar cuidadosamente se isso é verdade, avaliando a informação relevante que encontrarmos.
Assim, Clifford defende que a ética da crença obedece aos seguintes princípios:
Se temos provas suficientes a favor de algo, então devemos acreditar que é verdade.
Se temos provas suficientes contra algo, então devemos acreditar que é falso.
Se não temos provas suficientes nem a favor nem contra algo, então devemos suspender a crença em relação a isso – isto é, não devemos acreditar que é verdadeiro nem que é falso.
As crenças religiosas são como qualquer outro tipo de crença, e como tal, devem respeitar estes princípios.
Dado que não temos provas suficientes a favor da existência de Deus, nem provas suficientes contra a sua existência, devemos suspender a crença, isto é, devemos ser agnósticos.
Um crente é uma pessoa que acredita que Deus existe.
Um agnóstico é uma pessoa que suspende a crença na existência de Deus: nem acredita que Deus existe nem que não existe.
Um ateu é uma pessoa que acredita que Deus não existe.
Atividades:
1. Por que acha Clifford que todas as crenças, mesmo as que têm boas consequências, devem ser apoiadas por provas suficientes?
2. Por que razão defende Clifford que se acreditarmos em algo sem provas suficientes estamos a cometer um pecado perante a sociedade?
3. Por que razão defende Clifford que temos o dever de ser agnósticos em relação à existência de Deus?
4. Explique os três princípios da ética da crença de Clifford, recorrendo a exemplos.
Filosofia da religião – O caso especial da crença religiosa, segundo William James «»
A resposta clássica à defesa do agnosticismo de Clifford é da autoria de William James (1842-1910):
De fato, não temos o direito de acreditar em alguma coisa só porque é do nosso interesse, por vezes é realmente um mal acreditar em algo sem provas suficientes.
Contudo, a suspensão da crença nem sempre é a opção mais correta. As crenças religiosas, como a crença em Deus, é um desses casos: é eticamente legítimo acreditar que Deus existe mesmo sem provas suficientes.
William James defende que há três aspectos que fazem da crença em Deus um caso especial:
A crença na existência de Deus é uma opção viva – algo que pode mudar o modo como vivemos.
A crença em Deus é uma opção momentosa (de enorme importância): se acreditarmos na existência de Deus e isso for verdade, ganharemos um bem vital, como a bênção divina e a possibilidade de uma vida eterna. Além do mais, só temos uma oportunidade – ou acreditamos na existência de Deus ou não. E se não acreditarmos, e Deus existir, perderemos esse bem vital para sempre.
É impossível não ter uma posição relativamente à existência de Deus: a crença em Deus é uma opção forçosa, dado que, quer acreditemos quer não, não podemos escapar às consequências de tal decisão. Decidir suspender a crença em Deus terá as mesmas consequências que acreditar que não existe
Quando uma crença apresenta estas características, é uma opção genuína.
James argumenta que a decisão de suspender a crença é igualmente passional, uma decisão que tem por base os nossos sentimentos e inclinações naturais e não a razão; a decisão consiste em evitar acreditar numa falsidade a todo o custo.
No caso da crença em Deus, não se trata apenas de ganhar uma verdade ou evitar acreditar numa falsidade. As consequências de não acreditar em Deus, se Deus existir, são momentosas.
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Agnóstico
Crente
Possíveis perdas
Acreditar numa verdade; bem vital.
Acreditar numa falsidade.
Possíveis ganhos
Não acreditar numa falsidade.
Acreditar numa verdade; bem vital.
Supondo que a questão da existência de Deus não pode ser decidida racionalmente, é eticamente legítimo acreditar na sua existência, evitando assim a perda de um bem vital. Mas do fato de ser eticamente legítimo acreditar em Deus não se segue que tenhamos de o fazer.
James defende que nestes casos se trata de uma questão de tolerância. De acordo com James, todos têm a legitimidade ética de acreditar naquilo que a razão não consegue decidir, desde que se trate de uma opção genuína, como é o caso da crença em Deus.
Atividades:
1. O que faz da crença em Deus uma opção genuína, segundo James?
2. Por que acha James que o agnosticismo de Clifford é também uma decisão passional?
3. Por que razão é legítimo, segundo James, acreditar na existência de Deus na ausência de provas suficientes a seu favor?
4. «O agnosticismo, ao contrário do que James diz, não é uma decisão passional, pois Clifford deu amplas razões a seu favor.» Concorda? Por quê?