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segunda-feira, 5 de junho de 2023

Filosofia da religião – A ética da crença, de William Clifford «» /// Filosofia da religião – O caso especial da crença religiosa, segundo William James «»

 

  • Filosofia da religião – A ética da crença, de William Clifford «»


  • O filósofo e matemático inglês William K. Clifford (1845-1879) defende que é imoral acreditar naquilo para o qual não temos provas ou argumentos. É imoral porque é irracional.

    • Acreditar em algo sem provas suficientes a seu favor conduz a dois erros: ser irracional por acreditar em algo sem provas; ser imoral.

      • Acreditar em algo sem provas é imoral por duas razões: mais cedo ou mais tarde, a falta de sentido crítico irá provocar catástrofes e sofrimento; mas, além disso, o perigo mais terrível é o de que a sociedade se torne crédula, e que perca o hábito de testar as coisas e de inquirir a seu respeito; caso em que se afundará mais uma vez na selvajaria.

  • De modo que, de acordo com a ética da crença de Clifford:

    • Só é eticamente legítimo acreditar em algo se tivermos provas suficientes a seu favor.

      • Não há fórmulas para saber se as provas de que dispomos a favor de algo são ou não suficientes: antes de acreditar em algo devemos investigar cuidadosamente se isso é verdade, avaliando a informação relevante que encontrarmos.

  • Assim, Clifford defende que a ética da crença obedece aos seguintes princípios:

    1. Se temos provas suficientes a favor de algo, então devemos acreditar que é verdade.

    2. Se temos provas suficientes contra algo, então devemos acreditar que é falso.

    3. Se não temos provas suficientes nem a favor nem contra algo, então devemos suspender a crença em relação a isso – isto é, não devemos acreditar que é verdadeiro nem que é falso.

  • As crenças religiosas são como qualquer outro tipo de crença, e como tal, devem respeitar estes princípios.

    • Dado que não temos provas suficientes a favor da existência de Deus, nem provas suficientes contra a sua existência, devemos suspender a crença, isto é, devemos ser agnósticos.

      • Um crente é uma pessoa que acredita que Deus existe.

      • Um agnóstico é uma pessoa que suspende a crença na existência de Deus: nem acredita que Deus existe nem que não existe.

      • Um ateu é uma pessoa que acredita que Deus não existe.


  • Atividades:

1. Por que acha Clifford que todas as crenças, mesmo as que têm boas consequências, devem ser apoiadas por provas suficientes?

2. Por que razão defende Clifford que se acreditarmos em algo sem provas suficientes estamos a cometer um pecado perante a sociedade?

3. Por que razão defende Clifford que temos o dever de ser agnósticos em relação à existência de Deus?

4. Explique os três princípios da ética da crença de Clifford, recorrendo a exemplos.




  • Filosofia da religião – O caso especial da crença religiosa, segundo William James «»


  • A resposta clássica à defesa do agnosticismo de Clifford é da autoria de William James (1842-1910):

    • De fato, não temos o direito de acreditar em alguma coisa só porque é do nosso interesse, por vezes é realmente um mal acreditar em algo sem provas suficientes.

      • Contudo, a suspensão da crença nem sempre é a opção mais correta. As crenças religiosas, como a crença em Deus, é um desses casos: é eticamente legítimo acreditar que Deus existe mesmo sem provas suficientes.

  • William James defende que há três aspectos que fazem da crença em Deus um caso especial:

    • A crença na existência de Deus é uma opção viva – algo que pode mudar o modo como vivemos.

    • A crença em Deus é uma opção momentosa (de enorme importância): se acreditarmos na existência de Deus e isso for verdade, ganharemos um bem vital, como a bênção divina e a possibilidade de uma vida eterna. Além do mais, só temos uma oportunidade – ou acreditamos na existência de Deus ou não. E se não acreditarmos, e Deus existir, perderemos esse bem vital para sempre.

    • É impossível não ter uma posição relativamente à existência de Deus: a crença em Deus é uma opção forçosa, dado que, quer acreditemos quer não, não podemos escapar às consequências de tal decisão. Decidir suspender a crença em Deus terá as mesmas consequências que acreditar que não existe

      • Quando uma crença apresenta estas características, é uma opção genuína.

  • James argumenta que a decisão de suspender a crença é igualmente passional, uma decisão que tem por base os nossos sentimentos e inclinações naturais e não a razão; a decisão consiste em evitar acreditar numa falsidade a todo o custo.

    • No caso da crença em Deus, não se trata apenas de ganhar uma verdade ou evitar acreditar numa falsidade. As consequências de não acreditar em Deus, se Deus existir, são momentosas.



Agnóstico

Crente

Possíveis perdas

Acreditar numa verdade; bem vital.

Acreditar numa falsidade.

Possíveis ganhos

Não acreditar numa falsidade.

Acreditar numa verdade; bem vital.


    • Supondo que a questão da existência de Deus não pode ser decidida racionalmente, é eticamente legítimo acreditar na sua existência, evitando assim a perda de um bem vital. Mas do fato de ser eticamente legítimo acreditar em Deus não se segue que tenhamos de o fazer.

      • James defende que nestes casos se trata de uma questão de tolerância. De acordo com James, todos têm a legitimidade ética de acreditar naquilo que a razão não consegue decidir, desde que se trate de uma opção genuína, como é o caso da crença em Deus.


  • Atividades:

1. O que faz da crença em Deus uma opção genuína, segundo James?

2. Por que acha James que o agnosticismo de Clifford é também uma decisão passional?

3. Por que razão é legítimo, segundo James, acreditar na existência de Deus na ausência de provas suficientes a seu favor?

4. «O agnosticismo, ao contrário do que James diz, não é uma decisão passional, pois Clifford deu amplas razões a seu favor.» Concorda? Por quê?

sábado, 25 de março de 2023

Introdução à Filosofia: trabalhando com textos «»

  • Texto 1

  • Filosofia: A Crítica das nossas Crenças

    • Jerome Stolnitz

O que significa, especificamente, dizer que a filosofia faz a «crítica» das nossas crenças? Para começar, admitamos que a maior parte das nossas crenças sobre questões vitais como a religião e a moralidade são manifestamente acríticas. Faz uma pausa para avaliar as tuas crenças sobre estas questões, perguntando-te por que razão vieste a ter as crenças que tens. Na maior parte dos casos, podemos afirmar com segurança, irás descobrir que não «vieste a ter» tais crenças em resultado de uma reflexão prolongada e séria sobre elas. Pelo contrário, aceitaste-as com base em alguma autoridade, isto é, um indivíduo qualquer, ou instituição, que te transmitiu essas crenças. A autoridade pode ser os teus pais, professores, Igreja ou amigos. Muitas das nossas crenças são impostas pelo que chamamos vagamente «sociedade» ou «opinião pública». Estas autoridades, regra geral, não te impõem as suas convicções. Ao invés, absorveste essas crenças a partir do «clima de opinião» no qual te desenvolveste. Assim, a maior parte das tuas crenças sobre questões como a existência de Deus ou sobre se por vezes é correto mentir são artigos intelectuais em «segunda mão».

Mas isto não significa, claro, que essas crenças sejam necessariamente falsas ou que não sejam sólidas. Podem perfeitamente ser sólidas. Os artigos em «segunda mão» por vezes são muito bons. O que está em causa, contudo, é isto: uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é. Supõe que, perante uma certa crença, eu te perguntava: «Como sabes que isso é verdade?» Certamente que não seria satisfatório responder «Porque os meus pais (professores, amigos, etc.) me disseram». Isto, em si, não garante a verdade da crença, porque tais autoridades se enganaram muitas vezes. Verificou--se que muitas das crenças sobre medicina dos nossos antepassados, que eles transmitiram às gerações posteriores, eram falsas. E desde que se fundaram as primeiras escolas que os estudantes – graças aos céus – encontraram erros no que os seus professores diziam e tentaram encontrar por si crenças mais sólidas. Por outras palavras, a verdade de uma crença tem de depender dos seus próprios méritos. Se os teus pais te ensinaram que é desastroso abusar de maçãs verdes, então a asserção deles é verdadeira não porque o disseram, mas porque certos factos (muito desagradáveis) mostram que é verdadeira. Se aceitares uma «lei» científica que leste num manual, essa lei deve ser aceite não porque está escrita num manual, mas porque se baseia em provas experimentais e no raciocínio matemático. Temos justificação para aceitar uma crença unicamente quando esta é sustentada por provas experimentais e argumentos sólidos. Mas, como tenho vindo a insistir, a maior parte de nós nunca testa as nossas crenças desse modo.

É aqui que entra a atividade «crítica» da filosofia. A filosofia recusa-se a aceitar qualquer crença que as provas experimentais e o raciocínio não mostrem que é verdadeira. Uma crença que não possa ser estabelecida por este meio não é digna da nossa fidelidade intelectual e é habitualmente um guia incerto da ação. A filosofia dedica-se, portanto, ao exame minucioso das crenças que aceitamos acriticamente de várias autoridades. Temos de nos libertar dos preconceitos e emoções que muitas vezes obscurecem as nossas crenças. A filosofia não permitirá que crença alguma passe a inspeção só porque tem sido venerada pela tradição ou porque as pessoas acham que é emocionalmente compensador aceitar essa crença. A filosofia não aceitará uma crença só porque se pensa que é «simples senso comum» ou porque foi proclamada por homens sábios. A filosofia tenta nada tomar como «garantido» e nada aceitar «por fé». Dedica-se à investigação persistente e de espírito aberto, para descobrir se as nossas crenças são justificadas, e até que ponto o são. Deste modo, a filosofia impede-nos de nos afundarmos na complacência mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair.

Jerome Stolnitz, Estética e Filosofia da Crítica de Arte, 1960, trad. de Desidério Murcho, pp. 3-6

  • Contextualização

    • Em filosofia, usa-se o termo crença (e por vezes opinião) de forma abrangente. Inclui não apenas as crenças religiosas, mas tudo o que pensamos que é verdade, seja ou não verdade. Por exemplo, todos temos a crença de que 2 é um número par, que a relva é verde ou que não há vida na Lua.

    • Jerome Stolnitz é um filósofo norte-americano contemporâneo que se destacou na filosofia da arte. Nesta área, defendeu uma posição inspirada em Kant, fazendo da experiência estética o elemento mais importante para compreender a arte.

  • Atividades:

Interpretação

1. O que é uma crença acrítica?

2. Explique qual é, segundo o autor, a origem da maior parte das nossas crenças.

3. «Uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é», afirma o autor. Que quer isto dizer?

4. «A filosofia impede-nos de nos afundarmos na complacência mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair», afirma o autor. Por quê?

Discussão

5. «É preferível viver de acordo com as crenças que nos foram transmitidas pela tradição, em vez de as avaliar criticamente.» Concorda? Por quê?


  • Texto 2

  • Aprender a Pensar

    • Immanuel Kant

O jovem que completou a sua instrução escolar habituou-se a aprender. Agora pensa que vai aprender filosofia. Mas isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar. […] Para que pudesse aprender filosofia teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: «Veja-se, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos». Até me mostrarem tal livro de filosofia, um livro a que eu possa apelar, [...] permito-me fazer o seguinte comentário: estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. Tal pretensão criaria a ilusão de ciência. Essa ilusão só em certos lugares e entre certas pessoas é aceite como moeda legítima. Contudo, em todos os outros lugares é rejeitada como moeda falsa. O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como o disseram alguns filósofos da antiguidade (de zhtein). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que este método se torna [...] decisivo. Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve ser considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil. Quanto ao conhecimento positivo que ele poderá talvez vir a adquirir ao mesmo tempo – isso terá de ser considerado uma consequência acidental. Para que a colheita de tal conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes deste método.

Immanuel Kant, «Anúncio do Programa do Semestre de Inverno de 1765-1766», trad. de Desidério Murcho, pp. 2:306-307

  • Contextualização

    • Procure numa enciclopédia o significado do termo zetética.

  • Atividades:

Interpretação

1. Segundo o autor, é impossível aprender filosofia. Por quê?

2. Qual é o objectivo do estudo da filosofia, segundo o autor?

3. Qual é o método próprio do ensino da filosofia? Explique o seu significado.

4. Para o autor aprender filosofia é diferente de aprender a filosofar. Qual é a diferença?

5. Explique quais são as diferenças fundamentais entre o método decisivo e o método zetético de ensino.

Discussão

6. «O objectivo do estudo da filosofia é saber o que os filósofos disseram e nada mais.» Concorda? Por quê?

7. «Se em filosofia não há conhecimentos estabelecidos, como em física ou em história, que possam ser ensinados, então a filosofia não deve ser ensinada.» Concorda? Por quê?


 

Fonte: A Arte de Pensar 10a. Aires Almeida e outros. Didactica Editora. 1ª Ed.

Introdução à Filosofia: uma caracterização da filosofia «»

  • Ao perguntar o que uma coisa é, por exemplo “O que é X?”, podemos oferecer uma definição ou uma caracterização de “X”.

    • Há definições do tipo implícita e do tipo explícita:

      • Definições explícitas são expressões que não geram ambiguidades ou dúvidas sobre o que é “X”, pois são claras e precisas. Por exemplo, se “X” for água, podemos fornecer uma definição explícita dizendo que “X” é H2O.

        • No entanto, por vezes definições explícitas podem ser pouco informativas.

      • Definições implícitas não são expressões linguísticas, mas ocorrem pelo contato com o objeto a ser definido, por isso não são claras, ficam sempre subentendidas. Por exemplo, se “X” for água, podemos oferecer uma definição implícita de “X” ao mostrar vários exemplos de água.

        • Contudo, este tipo de definição é muito informativa.

    • Caracterizar uma coisa é apresentar algumas de suas propriedades informativas, porém, estas propriedades não a definem. Por exemplo, se “X” for água, podemos caracterizar “X” dizendo que é um líquido incolor, que serve para matar a sede, que enche rios, lagos e oceanos, e que cai do céu quando chove.

      • Boas caracterizações podem ser extremamente informativas.

  • Em vez de definir a filosofia, vamos caracterizá-la. Para isso, apresentaremos três dos seus aspectos importantes: o seu carácter crítico, o facto de exigir uma tomada de posição e de ser um estudo a priori.

  • A filosofia é uma atividade crítica

    • A filosofia é uma atividade crítica porque consiste em procurar boas razões (ou seja, bons argumentos) para aceitar ou recusar ideias sobre os seus problemas.

      • Ser crítico é analisar cuidadosa e imparcialmente as ideias para procurar determinar se são verdadeiras ou falsas.

    • A atitude crítica opõe-se à atitude dogmática.

      • Ser dogmático é recusar-se a analisar cuidadosa e imparcialmente as ideias, declarando-as verdadeiras ou falsas sem boas razões para isso.

    • Porque a filosofia é uma atividade crítica, fazer filosofia implica avaliar cuidadosamente os nossos preconceitos mais básicos.

      • Um preconceito é uma ideia que tomamos como verdadeira sem razões para tal.

  • A filosofia exige uma tomada de posição

    • O facto de a filosofia ser uma atividade crítica coloca-nos numa posição muito diferente daquela que nos é exigida nas outras disciplinas.

      • Em filosofia, temos de tomar posição.

        • Só que temos de compreender bem que tipo de posição se exige em filosofia. Temos a liberdade de defender qualquer posição em filosofia, mas as nossas posições têm de obedecer a duas condições:

        1. Têm de se apoiar em bons argumentos.

        2. Têm de se apoiar num conhecimento adequado dos problemas, teorias e argumentos da filosofia.

  • A filosofia é um estudo a priori

    • Os problemas da filosofia provocam alguma perplexidade porque são bastante diferentes quer dos problemas de ciências como a biologia ou a história, quer dos problemas da matemática.

      • Como vimos, tentamos resolver os problemas da filosofia recorrendo exclusivamente ao pensamento.

      • A filosofia é, em parte, como a matemática, pois ocupa-se de problemas que não se podem resolver recorrendo à experiência empírica – temos de os resolver recorrendo ao pensamento.

        • É por isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori.

        • Mas, ao contrário da matemática, não há na filosofia métodos formais de prova.

    • Conhecemos algo a priori quando o conhecemos sem recorrer à experiência.

    • Conhecemos algo a posteriori quando o conhecemos recorrendo à experiência.

      • Apesar de a filosofia ser um estudo a priori, para discutir certos problemas filosóficos é preciso usar conhecimentos a posteriori.

      • Apesar disso, a filosofia é a priori, por duas razões:

        • Em primeiro lugar, porque não compete à filosofia recolher essas informações empíricas: isso é feito pelas outras disciplinas.

        • Em segundo lugar, porque essas informações empíricas não permitem, por si, resolver os problemas da filosofia: é preciso pensar cuidadosamente.

        • Apesar de a filosofia ser um estudo a priori, o seu objeto de estudo é a realidade: em filosofia estuda-se a ciência, a religião, as artes, o bem, a liberdade, a justiça, etc. Dizer que a filosofia é a priori significa apenas que a filosofia estuda os problemas não empíricos destas realidades.

  • A atividade filosófica é inevitável. É inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de justificações sensatas para as nossas ideias mais básicas – mesmo as nossas ideias acerca da própria filosofia.


  • Atividades:

1. Por que razão é a filosofia uma atividade crítica?

2. O que é o dogmatismo? Explique e dê exemplos.

3. O que é um preconceito? Dê alguns exemplos, explicando por que razão são preconceitos.

4. Diga se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas e justifique a sua resposta:

a) Todos os preconceitos são ideias falsas.

b) Alguns preconceitos são ideias falsas.

c) Ser crítico é dizer mal dos outros.

d) A filosofia opõe-se ao dogmatismo.

5. O que significa dizer que a filosofia é um estudo a priori?

6. Diga se as seguintes afirmações são verdadeiras ou falsas e justifique a sua resposta:

a) Uma vez que a filosofia é a priori, não precisamos de informação empírica para fazer filosofia.

b) Dado que tanto a filosofia como a matemática são a priori, não há diferença entre as duas.

c) Se sabemos algo a priori, sabemo-lo sem recorrer aos dados dos sentidos.

d) Se sabemos algo a posteriori, sabemo-lo pelo pensamento apenas.

e) O conhecimento de que a neve é branca é a priori.

f) O conhecimento de que os objetos brancos são coloridos é a posteriori.

7. Apresente dois exemplos de problemas a priori e dois exemplos de problemas a posteriori.

8. Explique por que razão a filosofia é inevitável.


 

Fonte: A Arte de Pensar 10a. Aires Almeida e outros. Didactica Editora. 1ª Ed.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Filosofia da ação - determinismo e liberdade na ação humana: o problema do livre arbítrio «»

 

  • Uma ação é um acontecimento de um tipo especial, pois envolve aspectos que estão ausentes de um mero acontecimento: quando realizamos voluntariamente uma ação, parece evidente que poderíamos ter escolhido não o fazer.

    • Contudo, esta impressão parece entrar em conflito com o que julgamos saber sobre o universo, porque a ciência afirma que todos os acontecimentos do universo estão determinados.

    • Ficamos assim com um argumento que levanta perplexidades:

      • Todos os acontecimentos estão determinados.

As ações são acontecimentos.

Logo, as ações estão determinadas.

  • Significa isso que a impressão de que somos livres é ilusória?

  • Aparentemente, todos os acontecimentos estão causalmente determinados pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza. A isto chama-se a tese do determinismo.

    • Um acontecimento está causalmente determinado pelos acontecimentos anteriores e pelas leis da natureza quando não poderia deixar de se dar sem violar as leis da natureza ou sem ter origem em acontecimentos anteriores diferentes.

    • O universo forma uma imensa cadeia causal na qual cada efeito está determinado pelas causas que o antecedem.

      • Chama-se cadeia causal à sequência encadeada de causas e efeitos.

  • Como vimos, explica-se uma ação referindo as crenças e os desejos do agente. Contudo, as crenças e desejos do agente são, em si, acontecimentos no mundo, só que ocorrem no seu cérebr, sendo igualmente o resultado causal de acontecimentos anteriores.

    • Logo, se as nossas acções resultam causalmente dos nossos desejos e crenças, e se estas resultam por sua vez de acontecimentos anteriores, as nossas acções resultam indirectamente desses acontecimentos anteriores.

  • Mas isto parece significar que não somos livres…

  • A perspectiva de senso comum que temos da acção humana é que as condicionantes da ação influenciam, mas não determinam, a nossa acção, por isso a tese determinista contraria o que pensamos de nós mesmos.

    • Chama-se por vezes condicionantes histórico-culturais da ação aos factores históricos e culturais que influenciam a personalidade das pessoas, e portanto o modo como agem.

    • chama-se condicionantes físico-biológicas da ação aos factores físicos e biológicos que influenciam a personalidade das pessoas, e portanto o modo como agem.

  • O problema do livre-arbítrio consiste em tentar compatibilizar o determinismo que encontramos na natureza com a perspectiva de senso comum que temos de nós mesmos. Poderemos ser realmente livres num universo determinista? Ou será que temos de aceitar que a liberdade é uma ilusão porque tudo está determinado? Poderemos, alternativamente, conceber que o universo não está afinal inteiramente determinado precisamente porque somos livres?

    • O livre-arbítrio é a capacidade para decidir (arbitrar) em liberdade. 
    • As teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio dividem-se em dois grupos: teorias incompatibilistas e teorias compatibilistas.

      • As teorias incompatibilistas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.

      • As teorias compatibilistas defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo. 

        Teorias

        livre-arbítrio?

        Tudo está

        determinado?

        Incompatibilismo

        Determinismo radical

        Não

        Sim

        Libertismo

        Sim

        Não

        Compatibilismo (determinismo moderado)

        Sim

        Sim

         

        • Não se deve confundir o determinismo com o fatalismo.
      • O fatalismo é a tese de que alguns acontecimentos são inevitáveis, independentemente do que possamos decidir ou fazer.

    • Atividades:

    1. O que é o determinismo?

    2. O que significa dizer que um dado acontecimento está causalmente determinado? Dê exemplos.

    3. O que é uma cadeia causal?

    4. O que são as condicionantes da ação? Descreva os dois tipos e dê exemplos.

    5. Você concorda com a tese determinista? Por quê?

    6. Você concorda com a afirmação de que possuímos livre arbítrio? Por quê?

    7. Na sua opinião, é possível conciliar a ideia determinista com a do livre-arbítrio? Argumente a respeito.


     

Filosofia da religião – A religião e o sentido da existência: CRÍTICAS à resposta religiosa de Tolstoi «»

  • Tolstoi defende que o facto de tudo o que fazemos ser impermanente impede a nossa vida de ter sentido. Assim, Tolstoi defende que a nossa vida não tem sentido se num futuro muito distante nada restar de todos os nossos esforços, atividades e obras.

    • A crítica a esta posição é a seguinte:

      • Admitamos que porque tudo será destruído e esquecido no futuro distante, nada do que hoje fazemos terá importância no futuro distante. Mesmo que isto seja verdade, por que razão o fato de nada ter importância daqui a um milhão de anos tem importância para nós, agora? Se a nossa vida tem sentido, não o perde só porque daqui a um milhão de anos ninguém dá importância à nossa vida; e se a nossa vida não tem sentido, não o ganha só porque alguém daqui a um milhão de anos lhe dá importância.

      • Tolstoi poderia responder que o problema não é realmente o fato de daqui a um milhão de anos outros seres não valorizarem as nossas vidas; o problema é o próprio fato de nós desaparecermos inevitavelmente se formos mortais.

        • Contudo, os críticos respondem que se a nossa vida não tem sentido, não o ganha se a prolongarmos para sempre. E se tem sentido, não há qualquer razão para pensar que o perde só porque somos mortais.

  • Nas nossas vidas há várias cadeias de justificação interligadas.

    • Chama-se finalidade instrumental ao que fazemos em função de outra coisa.

    • Chama-se finalidade última ao que fazemos em função de si mesmo.

      • Tolstoi defende que, porque somos mortais, todas as nossas cadeias de justificação ou finalidades acabam no nada. A resposta ao sentido da vida, defende Tolstoi, não pode estar na própria vida, mas sim para lá dela.

    • Os críticos, contudo, argumentam que esta posição é insustentável. Há duas possibilidades apenas: ou a vida em si é uma finalidade última, ou há algo de transcendente que é a sua finalidade.

      • No primeiro caso, o facto de sermos mortais é irrelevante: a finalidade da nossa vida é a própria vida, a satisfação, realização e estímulo que obtemos ao viver.

      • No segundo caso, a finalidade da vida é outra coisa além dela. Tolstoi sugere que a finalidade da vida é viver no paraíso. Mas qual é a finalidade de viver no paraíso? Se Tolstoi afirmar que há outra coisa que é a finalidade de viver no paraíso, começa uma regressão infinita – pois podemos agora perguntar qual é a finalidade dessa outra coisa.

        • Entra-se numa regressão infinita quando se justifica A em termos de B, B em termos de C, C em termos de D, etc., sem que essa cadeia de justificações seja esclarecedora.

      • Tolstoi pode tentar escapar à regressão infinita afirmando que viver no paraíso é uma finalidade última que não precisa de ter outra coisa como finalidade. Mas esta posição é circular, pois Tolstoi começou por afirmar que a vida não podia ser a sua própria finalidade. Se a vida não pode ser a sua própria finalidade, por que razão a vida no paraíso pode ser a sua própria finalidade? Tolstoi não pode argumentar que a vida no paraíso é um fim em si por ser imortal porque isso é circular: pressupõe o que está em discussão.

        • Um argumento é circular quando pressupõe o que devia demonstrar. Chama-se petição de princípio ou petitio principii aos argumentos circulares.

  • Assim, a crítica à resposta de Tolstoi é a seguinte:

    • Premissa 1: Ou a vida é a sua própria finalidade ou há outra coisa que é a finalidade da vida.

    • Premissa 2: Se a vida é a sua própria finalidade, a vida tem sentido apesar de ser mortal.

    • Premissa 3: Nenhuma outra coisa pode ser a finalidade da vida, sob pena de regressão infinita ou circularidade.

    • Conclusão: Logo, a vida tem sentido, apesar de ser mortal.


  • Atividades:

1. Formule a crítica à posição de Tolstoi relativa ao futuro distante.

2. Formule a crítica à posição de Tolstoi relativa à mortalidade.

3. O que é uma finalidade instrumental? Explique e dê exemplos.

4. O que é uma finalidade última? Explique e dê exemplos.

6. Explique qual é a posição de Tolstoi relativamente à finalidade última da vida.

7. O que é uma regressão infinita da justificação? Dê exemplos.

8. Explique a objeção da regressão infinita que o crítico apresenta a Tolstoi.

9. Explique a objeção da circularidade que o crítico apresenta a Tolstoi.

10. «Se a vida é a sua própria finalidade, a vida tem sentido apesar de ser mortal.» Concorda? Por quê?

11. «Se tudo acaba em nada, a nossa vida não tem sentido.» Concorda? Por quê?


Fonte: A Arte de Pensar 10B. Aires Almeida e outros. Didactica Editora. 1ª Ed.