Tolstoi defende que o facto de tudo o que fazemos ser impermanente impede a nossa vida de ter sentido. Assim, Tolstoi defende que a nossa vida não tem sentido se num futuro muito distante nada restar de todos os nossos esforços, atividades e obras.
A crítica a esta posição é a seguinte:
Admitamos que porque tudo será destruído e esquecido no futuro distante, nada do que hoje fazemos terá importância no futuro distante. Mesmo que isto seja verdade, por que razão o fato de nada ter importância daqui a um milhão de anos tem importância para nós, agora? Se a nossa vida tem sentido, não o perde só porque daqui a um milhão de anos ninguém dá importância à nossa vida; e se a nossa vida não tem sentido, não o ganha só porque alguém daqui a um milhão de anos lhe dá importância.
Tolstoi poderia responder que o problema não é realmente o fato de daqui a um milhão de anos outros seres não valorizarem as nossas vidas; o problema é o próprio fato de nós desaparecermos inevitavelmente se formos mortais.
Contudo, os críticos respondem que se a nossa vida não tem sentido, não o ganha se a prolongarmos para sempre. E se tem sentido, não há qualquer razão para pensar que o perde só porque somos mortais.
Nas nossas vidas há várias cadeias de justificação interligadas.
Chama-se finalidade instrumental ao que fazemos em função de outra coisa.
Chama-se finalidade última ao que fazemos em função de si mesmo.
Tolstoi defende que, porque somos mortais, todas as nossas cadeias de justificação ou finalidades acabam no nada. A resposta ao sentido da vida, defende Tolstoi, não pode estar na própria vida, mas sim para lá dela.
Os críticos, contudo, argumentam que esta posição é insustentável. Há duas possibilidades apenas: ou a vida em si é uma finalidade última, ou há algo de transcendente que é a sua finalidade.
No primeiro caso, o facto de sermos mortais é irrelevante: a finalidade da nossa vida é a própria vida, a satisfação, realização e estímulo que obtemos ao viver.
No segundo caso, a finalidade da vida é outra coisa além dela. Tolstoi sugere que a finalidade da vida é viver no paraíso. Mas qual é a finalidade de viver no paraíso? Se Tolstoi afirmar que há outra coisa que é a finalidade de viver no paraíso, começa uma regressão infinita – pois podemos agora perguntar qual é a finalidade dessa outra coisa.
Entra-se numa regressão infinita quando se justifica A em termos de B, B em termos de C, C em termos de D, etc., sem que essa cadeia de justificações seja esclarecedora.
Tolstoi pode tentar escapar à regressão infinita afirmando que viver no paraíso é uma finalidade última que não precisa de ter outra coisa como finalidade. Mas esta posição é circular, pois Tolstoi começou por afirmar que a vida não podia ser a sua própria finalidade. Se a vida não pode ser a sua própria finalidade, por que razão a vida no paraíso pode ser a sua própria finalidade? Tolstoi não pode argumentar que a vida no paraíso é um fim em si por ser imortal porque isso é circular: pressupõe o que está em discussão.
Um argumento é circular quando pressupõe o que devia demonstrar. Chama-se petição de princípio ou petitio principii aos argumentos circulares.
Assim, a crítica à resposta de Tolstoi é a seguinte:
Premissa 1: Ou a vida é a sua própria finalidade ou há outra coisa que é a finalidade da vida.
Premissa 2: Se a vida é a sua própria finalidade, a vida tem sentido apesar de ser mortal.
Premissa 3: Nenhuma outra coisa pode ser a finalidade da vida, sob pena de regressão infinita ou circularidade.
Conclusão: Logo, a vida tem sentido, apesar de ser mortal.
Atividades:
1. Formule a crítica à posição de Tolstoi relativa ao futuro distante.
2. Formule a crítica à posição de Tolstoi relativa à mortalidade.
3. O que é uma finalidade instrumental? Explique e dê exemplos.
4. O que é uma finalidade última? Explique e dê exemplos.
6. Explique qual é a posição de Tolstoi relativamente à finalidade última da vida.
7. O que é uma regressão infinita da justificação? Dê exemplos.
8. Explique a objeção da regressão infinita que o crítico apresenta a Tolstoi.
9. Explique a objeção da circularidade que o crítico apresenta a Tolstoi.
10. «Se a vida é a sua própria finalidade, a vida tem sentido apesar de ser mortal.» Concorda? Por quê?
11. «Se tudo acaba em nada, a nossa vida não tem sentido.» Concorda? Por quê?
Fonte: A Arte de Pensar 10B. Aires Almeida e outros. Didactica Editora. 1ª Ed.
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