Texto 1
Filosofia: A Crítica das nossas Crenças
Jerome Stolnitz
O que significa, especificamente, dizer que a filosofia faz a «crítica» das nossas crenças? Para começar, admitamos que a maior parte das nossas crenças sobre questões vitais como a religião e a moralidade são manifestamente acríticas. Faz uma pausa para avaliar as tuas crenças sobre estas questões, perguntando-te por que razão vieste a ter as crenças que tens. Na maior parte dos casos, podemos afirmar com segurança, irás descobrir que não «vieste a ter» tais crenças em resultado de uma reflexão prolongada e séria sobre elas. Pelo contrário, aceitaste-as com base em alguma autoridade, isto é, um indivíduo qualquer, ou instituição, que te transmitiu essas crenças. A autoridade pode ser os teus pais, professores, Igreja ou amigos. Muitas das nossas crenças são impostas pelo que chamamos vagamente «sociedade» ou «opinião pública». Estas autoridades, regra geral, não te impõem as suas convicções. Ao invés, absorveste essas crenças a partir do «clima de opinião» no qual te desenvolveste. Assim, a maior parte das tuas crenças sobre questões como a existência de Deus ou sobre se por vezes é correto mentir são artigos intelectuais em «segunda mão».
Mas isto não significa, claro, que essas crenças sejam necessariamente falsas ou que não sejam sólidas. Podem perfeitamente ser sólidas. Os artigos em «segunda mão» por vezes são muito bons. O que está em causa, contudo, é isto: uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é. Supõe que, perante uma certa crença, eu te perguntava: «Como sabes que isso é verdade?» Certamente que não seria satisfatório responder «Porque os meus pais (professores, amigos, etc.) me disseram». Isto, em si, não garante a verdade da crença, porque tais autoridades se enganaram muitas vezes. Verificou--se que muitas das crenças sobre medicina dos nossos antepassados, que eles transmitiram às gerações posteriores, eram falsas. E desde que se fundaram as primeiras escolas que os estudantes – graças aos céus – encontraram erros no que os seus professores diziam e tentaram encontrar por si crenças mais sólidas. Por outras palavras, a verdade de uma crença tem de depender dos seus próprios méritos. Se os teus pais te ensinaram que é desastroso abusar de maçãs verdes, então a asserção deles é verdadeira não porque o disseram, mas porque certos factos (muito desagradáveis) mostram que é verdadeira. Se aceitares uma «lei» científica que leste num manual, essa lei deve ser aceite não porque está escrita num manual, mas porque se baseia em provas experimentais e no raciocínio matemático. Temos justificação para aceitar uma crença unicamente quando esta é sustentada por provas experimentais e argumentos sólidos. Mas, como tenho vindo a insistir, a maior parte de nós nunca testa as nossas crenças desse modo.
É aqui que entra a atividade «crítica» da filosofia. A filosofia recusa-se a aceitar qualquer crença que as provas experimentais e o raciocínio não mostrem que é verdadeira. Uma crença que não possa ser estabelecida por este meio não é digna da nossa fidelidade intelectual e é habitualmente um guia incerto da ação. A filosofia dedica-se, portanto, ao exame minucioso das crenças que aceitamos acriticamente de várias autoridades. Temos de nos libertar dos preconceitos e emoções que muitas vezes obscurecem as nossas crenças. A filosofia não permitirá que crença alguma passe a inspeção só porque tem sido venerada pela tradição ou porque as pessoas acham que é emocionalmente compensador aceitar essa crença. A filosofia não aceitará uma crença só porque se pensa que é «simples senso comum» ou porque foi proclamada por homens sábios. A filosofia tenta nada tomar como «garantido» e nada aceitar «por fé». Dedica-se à investigação persistente e de espírito aberto, para descobrir se as nossas crenças são justificadas, e até que ponto o são. Deste modo, a filosofia impede-nos de nos afundarmos na complacência mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair.
Jerome Stolnitz, Estética e Filosofia da Crítica de Arte, 1960, trad. de Desidério Murcho, pp. 3-6
Contextualização
Em filosofia, usa-se o termo crença (e por vezes opinião) de forma abrangente. Inclui não apenas as crenças religiosas, mas tudo o que pensamos que é verdade, seja ou não verdade. Por exemplo, todos temos a crença de que 2 é um número par, que a relva é verde ou que não há vida na Lua.
Jerome Stolnitz é um filósofo norte-americano contemporâneo que se destacou na filosofia da arte. Nesta área, defendeu uma posição inspirada em Kant, fazendo da experiência estética o elemento mais importante para compreender a arte.
Atividades:
→ Interpretação
1. O que é uma crença acrítica?
2. Explique qual é, segundo o autor, a origem da maior parte das nossas crenças.
3. «Uma crença não é verdadeira simplesmente porque uma autoridade qualquer diz que o é», afirma o autor. Que quer isto dizer?
4. «A filosofia impede-nos de nos afundarmos na complacência mental e no dogmatismo em que todos os seres humanos têm tendência para cair», afirma o autor. Por quê?
→ Discussão
5. «É preferível viver de acordo com as crenças que nos foram transmitidas pela tradição, em vez de as avaliar criticamente.» Concorda? Por quê?
Texto 2
Aprender a Pensar
Immanuel Kant
O jovem que completou a sua instrução escolar habituou-se a aprender. Agora pensa que vai aprender filosofia. Mas isso é impossível, pois agora deve aprender a filosofar. […] Para que pudesse aprender filosofia teria de começar por já haver uma filosofia. Teria de ser possível apresentar um livro e dizer: «Veja-se, aqui há sabedoria, aqui há conhecimento em que podemos confiar. Se aprenderem a entendê-lo e a compreendê-lo, se fizerem dele as vossas fundações e se construírem com base nele daqui para a frente, serão filósofos». Até me mostrarem tal livro de filosofia, um livro a que eu possa apelar, [...] permito-me fazer o seguinte comentário: estaríamos a trair a confiança que o público nos dispensa se, em vez de alargar a capacidade de entendimento dos jovens entregues ao nosso cuidado e em vez de os educar de modo a que no futuro consigam adquirir uma perspectiva própria mais amadurecida, se em vez disso os enganássemos com uma filosofia alegadamente já acabada e cogitada por outras pessoas em seu benefício. Tal pretensão criaria a ilusão de ciência. Essa ilusão só em certos lugares e entre certas pessoas é aceite como moeda legítima. Contudo, em todos os outros lugares é rejeitada como moeda falsa. O método de instrução próprio da filosofia é zetético, como o disseram alguns filósofos da antiguidade (de zhtein). Por outras palavras, o método da filosofia é o método da investigação. Só quando a razão já adquiriu mais prática, e apenas em algumas áreas, é que este método se torna [...] decisivo. Por exemplo, o autor sobre o qual baseamos a nossa instrução não deve ser considerado o paradigma do juízo. Ao invés, deve ser encarado como uma ocasião para cada um de nós formar um juízo sobre ele, e até mesmo, na verdade, contra ele. O que o aluno realmente procura é proficiência no método de refletir e fazer inferências por si. E só essa proficiência lhe pode ser útil. Quanto ao conhecimento positivo que ele poderá talvez vir a adquirir ao mesmo tempo – isso terá de ser considerado uma consequência acidental. Para que a colheita de tal conhecimento seja abundante, basta que o aluno semeie em si as fecundas raízes deste método.
Immanuel Kant, «Anúncio do Programa do Semestre de Inverno de 1765-1766», trad. de Desidério Murcho, pp. 2:306-307
Contextualização
Procure numa enciclopédia o significado do termo zetética.
Atividades:
→ Interpretação
1. Segundo o autor, é impossível aprender filosofia. Por quê?
2. Qual é o objectivo do estudo da filosofia, segundo o autor?
3. Qual é o método próprio do ensino da filosofia? Explique o seu significado.
4. Para o autor aprender filosofia é diferente de aprender a filosofar. Qual é a diferença?
5. Explique quais são as diferenças fundamentais entre o método decisivo e o método zetético de ensino.
→ Discussão
6. «O objectivo do estudo da filosofia é saber o que os filósofos disseram e nada mais.» Concorda? Por quê?
7. «Se em filosofia não há conhecimentos estabelecidos, como em física ou em história, que possam ser ensinados, então a filosofia não deve ser ensinada.» Concorda? Por quê?
Fonte: A Arte de Pensar 10a. Aires Almeida e outros. Didactica Editora. 1ª Ed.